UMBANDA: TRANSGRESSÃO E TRADIÇÃO – 2ª Parte

Prosseguindo em nossa linha de raciocínio, buscamos analisar como se dá, no dia a dia da prática umbandista, essa sensível ligação entre transgressão e tradição, Por isso, aqui dissertaremos brevemente acerca do que a nossa reflexão sobre este assunto nos trouxe como conclusão.

Com o passar do tempo, acabamos encontrando no caminho novas práticas, ideias inovadoras surgem; isso é bem comum e faz parte de um processo evolutivo, afinal, se assim não fosse,  a humanidade ainda viveria nas cavernas, não é mesmo? Porém, se analisarmos a partir dessa analogia, perceberemos que, de lá para cá [ou seja, desde a era primitiva], muitos progressos aconteceram, mas algumas coisas fundamentais não mudaram. Sim, as nossas necessidades biológicas permanecem, bem como, necessidades psíquicas, espirituais e emocionais. Isso, por si só, já nos mostra que há coisas que precisam prevalecer.

Alguém pode retrucar: “Mas tal analogia não é a melhor, afinal, as necessidades citadas, nada têm a ver com o que é abordado na sua linha de raciocínio, acerca das práticas umbandistas”. Então, retrucamos de volta:            – Entendemos ser, tal modelo, um motor propulsor que vem se reproduzindo em todas as práticas cotidianas. Ou seja, as nossas necessidades positivas de transgressão – a fim de que possamos caminhar bem evolutivamente, progredindo conforme as nossas necessidades evolutivas – começam em nós e vão se reproduzindo para tudo em nossas vidas, tanto individualmente quanto em sociedade.

No texto anterior, buscamos em Rubens Saraceni esclarecimentos acerca de uma tradição maior, que rege e move toda aquela tradição cotidiana, conhecida por nós na prática umbandista [referimo-nos à Tradição Natural]. E buscaremos, agora, deixar aqui um exemplo prático e claro, de como esta tradição maior e a cotidiana podem imbricar-se (afinal, a segunda deve ser consequência da primeira ou algo estará errado): acendemos uma vela branca para o nosso amado Pai Oxalá, pois, ele é o Senhor da Fé, sustentando este sentido básico e primal da Vida em todos nós. Isso é feito desde tempos remotos e assim continuará acontecendo, com o passar do tempo, venha a revolução tecnológica que vier, pois, a Sagrada Chama da Fé é um poder de Deus e se manifesta a nós a partir deste recurso trazido por este Pai Orixá. Isso é tradição e, acreditamos, não é questionado por nenhum umbandista.

Imaginemos, agora, que por ventura, alguém dentro da nossa religião, em dado momento, resolva mudar esse processo ritualístico tradicional para algo incongruente ou que, simplesmente, queira extinguir do ritual a vela branca para o nosso amado Pai da Fé. Caso isso seja aceito no meio religioso, criará uma dificuldade para os trabalhos espirituais, bloqueando um aspecto ritualístico importantíssimo, fazendo com que os nossos guias e mentores tenham dificuldade para nos auxiliarem no sentido da Fé.

Nesse caso, estaremos vivenciando uma típica transgressão negativa, conforme a nossa linha de raciocínio exposta desde o texto anterior. E estaremos aleijando a nossa prática religiosa. Assim, concluímos que todo e qualquer progresso, dentro do processo evolutivo religioso, deve ser munido de bom senso e da boa e velha ética, pois, não observando estes aspectos, corremos o sério risco de perdermo-nos e de colocarmos a nossa religião na berlinda, dentro da história humana.

Então, prossigamos. A tradição religiosa da Umbanda, já sabemos, advém da Tradição Natural, mas, dentro da nossa prática, percebemos ter sido herdada de uma longa caminhada religiosa, que passou por outras tradições (todas advindas dessa mesma origem tradicional natural) e até aqui chegou adaptada, repaginada, ao nosso tempo e ao nosso atual grau consciencial.

A religião umbandista tem, no processo de incorporação de Orixás e guias espirituais, a sua mola propulsora, fundamental para tudo o que por ela é manifestado e sustentado. E isso vem ocorrendo nos nossos templos religiosos desde 1908, quando a doutrina foi anunciada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, por intermédio de Pai Zélio. Toda vez que alguém vai à Umbanda, o faz com a expectativa de encontrar algum guia espiritual que o auxilie espiritualmente.

Este é um aspecto fundamental da tradição religiosa umbandista e é indiscutível!

Neste início de século XXI, temos acompanhado uma revolução tecnológica que nos traz, sem sombra de dúvida, muitas facilidades. Ora, a tecnologia é, indiscutivelmente, um avanço e, entendemos, é impensável querermos qualquer regresso nesse sentido ou, trocando em miúdos, cogitar qualquer tipo de retorno a métodos antigos que viriam, neste momento, dificultar o nosso cotidiano.

Dentro desse processo, temos acompanhado o estudo à distância (e isso ocorre em vários setores, não somente na Umbanda) que traz conhecimentos, em muitos casos, fundamentais. Pergunto: poderia, um estudante de medicina, que está sendo preparado para lidar com a vida humana, estudar à distância? Bem, esta não é nossa área de atuação e não possuímos conhecimento necessário, mas, ainda assim, ousamos dizer que, seria bem delicado se isso ocorresse.

Quem recebe de Deus a incumbência de se tornar médium umbandista e/ou sacerdote ou sacerdotisa nessa religião, lidará com a vida espiritual das pessoas. Então, pode estudar á distância?

Eis a nossa conclusão: há uma base teológica que é comum e acessível a todos e pode ser comungada, por ser teórica, em grupos de estudos virtuais. Afinal, o conhecimento da Bíblia cristã, por exemplo, vem sendo comungado por meios eletrônicos, há muito (programas televisivos, de rádio etc.) e, até onde sabemos, nunca foram formados sacerdotes, nestas religiões, à distância, não é mesmo?

Então, concluímos que, todo e qualquer processo prático, iniciático, mediúnico, realizado à distância é, antes de mais nada, placebo e, consequentemente, perigoso e irresponsável, Incorporações à distância são uma transgressão à nossa tradição e de uma irresponsabilidade atroz. Não têm noção [ou talvez tenham] aqueles que as comandam, do tamanho do prejuízo causado para as vidas das pessoas envolvidas, bem como, das suas próprias e, consequentemente, para um processo de negativação da religião. Mas há uma parcela de responsabilidade, também, daquelas pessoas que a isso procuram.

Só pedimos a Deus, nossa Origem Maior, ao nosso Pai Oxalá, Senhor da Fé, à nossa Mãe Logunã, Senhora da Fé e do Tempo, bem como, a todos os nossos Pais e nossas Mães Orixás, que iluminem as coroas de todas as pessoas que se encontram no círculo umbandista, para que se conscientizem, voltem-se para o templo íntimo e percebam o que é, de fato, uma religião, o que é, nesse caso específico, a Umbanda.

 

Um saravá fraterno!

 

André Cozta

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