UMBANDA: TRANSGRESSÃO E TRADIÇÃO – 1ª Parte

Consultando alguns dicionários da língua portuguesa, encontramos definições para o termo transgressão que nos dizem ser, esta palavra, a expressão para o ato de ir além de; atravessar, mas também expressa o sentido de infringir ou violar, não cumprir regras, normas ou leis.

Tendo compreendido esta base definitória, busquemos entender como pode ocorrer  qualquer tipo de transgressão na Umbanda [se é que isso realmente acontece].

Podemos compreender, a partir da definição básica adquirida em consultas a alguns dicionários, que o ato de transgredir pode se apresentar em duas formas [ou em duas polaridades]. Uma que definimos como positiva, ou seja, aquela em que alguém transgride regras, normas ou preceitos atravancadores da caminhada. Isso ocorre sempre que se identifica algum aspecto que não permite que aquela situação ou aquele caminho prossiga sua jornada de forma natural e equilibrada; portanto, a tal transgressão positiva se dá como um instrumento fundamental para que o processo evolutivo se realize da melhor forma. Então, a pessoa que transgride, neste caso positivo, vai além, atravessa, retirando do caminho todos os empecilhos que bloqueiam e não permitem que haja uma caminhada evolutiva real.

Imagine você, uma religião natural, espiritualista, potencialmente propulsora da evolução dos seres e da vida planetária, como é a Umbanda, com atos ou ações provocadas pelos seus próprios adeptos, que paralisem a sua caminhada enquanto religião e filosofia de vida e, consequentemente, daquelas pessoas que são suas beneficiárias diretas. Um tanto quanto incongruente, não é mesmo? Nesse caso, a transgressão ou o ato transgressor é bem-vindo, porque limpa todas as sujeiras e abre os caminhos para que o processo seja recuperado em sua mais alta intensidade.

Já no seu aspecto negativo, vemos na transgressão o ato de infringir, violar, não cumprir normas ou leis. Isso ocorre, na nossa sociedade, nos mais diversos campos, basta assistirmos ao noticiário ou lermos notícias que nos mostram, nas mais variadas secções, exemplos diversos de transgressões negativas (crimes variados).

Temos leis e normas sociais, mas também temos normas institucionais que regem e regulam os mais diversos segmentos e instituições em nosso meio social. No caso da Umbanda não é diferente! É uma religião e filosofia de vida que segue, fidedignamente, os desígnios de uma Lei Maior, trocando em miúdos, da Lei de Deus. E tendo-A como base, possui sua lei interna própria, que regula o seu funcionamento já centenário e que atravessará os tempos cumprindo sua função, designada por Deus e pelos Orixás Divinos.

Isso significa dizer que, para a Lei de Umbanda, o tipo transgressor definido aqui por nós como negativo, é um desafio à tradição religiosa. Mas, aí vem mais uma consulta [aos dicionários e à literatura umbandista]: afinal, o que é tradição?

Encontramos algumas definições que nos dizem, de modo sintético, o seguinte: tradição é o ato ou efeito de transmitir, entregar ou transferir algo; é uma comunicação oral de fatos, lendas, ritos, usos, costumes etc., de geração para geração; conjunto de sistemas simbólicos que são passados de geração para geração possuindo um caráter repetitivo – deve ser considerada dinâmica e não estática, uma orientação para o passado e uma maneira de organizar o mundo para o tempo futuro; continuidade ou permanência de uma doutrina, visão de mundo, costumes e valores de um grupo social ou escola de pensamento.

Eis, no parágrafo anterior, um combo de definições que podem nos alumiar a mente para um conceito geral do termo tradição (ou algo bem próximo disso). Porém, sabemos por intermédio da teologia umbandista que, muito além daquela tradição que conhecemos, advinda dos terreiros e neles manifestada, há uma Tradição Natural que rege todo um processo religioso no meio humano; regência essa sob a qual a Umbanda, inclusive, se encontra.

Mas, o que é a Tradição Natural? Vejamos esta definição cunhada por Pai Benedito de Aruanda, por intermédio da mediunidade psicográfica de Rubens Saraceni, na obra A Evolução dos Espíritos – A Tradição Comenta a Evolução (2017; P. 24-25 / Madras): “A Tradição, nas hierarquias humanas agregadas aos pontos de forças da Natureza, sustentou os rituais religiosos praticados por milhões e milhões de espíritos humanos encarnados, em que prevaleceu o sentido tribal de vivenciação da vida. Quando o abstracionismo voltou a expandir-se, primeiro com o Cristianismo, e depois com o Islamismo, onde quer que um fiel abstracionista desembarcasse, encontrava rituais religiosos ligados à Natureza. Nas Américas, encontraram os cultos naturais, desde o extremo norte até o extremo sul. Na África, também. Na Oceania, Índia, Ásia e Extremo Oriente, onde havia povos que nunca antes tinham se contatado, encontraram cultos naturais, perpetuando a comunhão entre o ser humano e a Natureza que o sustentava. E todos esses cultos naturais eram, e ainda são sustentados pela Tradição. Assim, Tradição é a integração do ser com o meio em que vive para que melhor e mais naturalmente evolua […] Bem, então, quando alguém lhes perguntar o que é esta tal Tradição, tão citada pelos iniciados e tão pouco explicada, já que até eles a desconhecem, respondam assim: ‘Tradição? Bom, segundo ouvi dizer, a Tradição é um colégio de magos responsáveis pela ordem e os bons costumes, dentro de todos os rituais religiosos e iniciáticos, que velam o tempo todo para que as hierarquias espirituais sejam respeitadas e nunca quebradas por esta nossa faculdade inata em desafiar Deus’. Simplificando, Tradição é a conservação do que é bom, útil e necessário a uma evolução equilibrada em todos os sete sentidos da vida”.

É preciso dizer que, nesta obra, o autor separa os conceitos naturais e concretos sustentados pela Tradição [conforme descrito no parágrafo anterior] daqueles sustentados pelo abstracionismo, em que não se aceita outra divindade (coparticipativa na regência da criação), não se aceita questionamentos, e os dogmas são fundamentadores e direcionadores da fé. O eu sou prevalece sobre o nós somos e o meu Deus sobre o nosso Deus, anulando completamente toda e qualquer integração com a Natureza Mãe.

Tudo isso serve para que possamos compreender, de forma bem embasada, que há sim uma tradição religiosa dentro da Umbanda e que se fundamenta em algo maior, advindo dessa Tradição Natural. Então, o que é respeitar ou desrespeitar a nossa tradição religiosa? Quando transgredimos positivamente ações ou processos atravancadores da evolução salutar? Quando transgredimos negativamente, ofendendo a nossa tradição religiosa?

Bem, preparamos este texto em duas partes, exatamente para que a sua reflexão se dê de modo bem profundo. E será na segunda parte, a qual publicaremos em breve, que dissertaremos acerca da nossa visão acerca de transgressão e tradição na Umbanda.

Até lá! Um saravá fraterno!

André Cozta

 

 

           REFERÊNCIAS: 

Dicionários – Google e Oxford

SARACENI, Rubens. A Evolução dos Espíritos: A Tradição Comenta A Evolução. São Paulo: Madras, 2017.

 

 

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