“Poder e conhecimento são sinônimos”. (BACON apud HORKHEIMER; ADORNO, 1947 P. 5).
Iniciamos este texto com a citação acima extraída da obra Dialética do Esclarecimento, de autoria de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, publicada em 1947. É preciso salientar que estes filósofos foram dois expoentes da conhecida Escola de Frankfurt, associada ao Instituto para Pesquisa Social (Universidade de Frankfurt – Alemanha).
Horkheimer utilizou-se, no contexto da sua teoria crítica, do termo “razão instrumental” para designar o estado em que os processos racionais são plenamente operacionalizados. Ele opunha à razão instrumental, a razão crítica.
Para este autor, na medida em que a razão vai se instrumentalizando, a ciência deixa de ser uma forma de acesso aos conhecimentos verdadeiros para se tornar um instrumento de dominação, poder e exploração, sustentada por uma “ideologia cientificista”. Tal ideologia, anteriormente citada, propaga-se a partir da escola [ou seja, do ensino oficial], dos meios de comunicação e engendra uma “mitologia”, uma espécie de “religião da ciência”, contrária ao espírito iluminista e à emancipação humana.
Trocando em miúdos: a ciência segue um método muito parecido ao da religião, dogmático. Tal crítica ecoa, assim e nesse aspecto, desde Nietzsche. Aliás, os autores da Dialética do Esclarecimento, em dado momento, na obra citada, já criticam a própria racionalidade, em seus primeiros passos na filosofia grega. Vejamos:
[…] O húmido, o indiviso, o ar, o fogo, aí citados como a matéria primordial da natureza, são apenas sedimentos racionalizados da intuição mítica […] (HORKHEIMER; ADORNO, 1947 P. 6)
Neste excerto, referem-se à busca de filósofos pré-socráticos (ou filósofos da natureza) pela arché (origem) da vida na sua forma mais plena, afirmando que, ainda que entendendo como origem de tudo: a água (Tales de Mileto), o ar (Anaxímenes), o ápeiron [indivisível, indeterminado, ilimitado] (Anaximandro)… ou até mesmo o fogo para Heráclito, todas essas teses são racionalizações que partem de uma base mitológica (especialmente, a partir de Homero) e, portanto, carregam em si uma estrutura de pensamento que advém da religião.
Não nos deteremos a uma crítica ou análise teológica deste pensamento, pois, nosso objetivo é analisar os conceitos de razão instrumental e razão crítica e, com nossa lupa, identificar se podemos encontrá-los na Umbanda, neste momento.
A razão crítica, para Horkheimer, segue um caminho de pensamento crítico-negativo. Se usarmos o conceito hegeliano de dialética, seria a razão crítica a antítese [negação da tese], à tese [da razão instrumental] na busca pela síntese [a construção de uma aplicação salutar do conhecimento, que venha a contribuir para uma evolução equânime da sociedade].
Tendo cedido em sua autonomia, a razão tornou-se um instrumento. No aspecto formalista da razão subjetiva, sublinhada pelo positivismo, enfatiza-se a sua não-referência a um conteúdo objetivo; em seu aspecto instrumental, sublinhado pelo pragmatismo, enfatiza-se a sua submissão a conteúdos heterônomos. A razão tornou-se algo inteiramente aproveitado no processo social. Seu valor operacional, seu papel de domínio dos homens e da natureza tornou-se o único critério para avaliá-la. (Max Horkheimer, Eclipse da Razão, Ed. Centauro, p. 29 apud WIKIPEDIA, 2023).
Então, a razão instrumental é a utilização do conhecimento para domínio e controle de mentes, ideias e pensamentos. A razão crítica propõe a utilização do conhecimento numa reorganização social, para uma formação e uma formatação equânime e mais justa da nossa sociedade
Mas, o que a Umbanda tem a ver com tudo isso?
Ora, como afirmamos na obra de nossa autoria “Umbanda: Uma Escola Evolutiva” (Madras – 2017), a nossa religião não está alienada, apartada ou “flutuando” na nossa sociedade. Ela se encontra partícipe, por intermédio de nós mesmos, e sensível a tudo o que aqui acontece, refletindo em seu interior tanto os aspectos positivos quanto os negativos resultantes das nossas ações.
Assim sendo, podemos concluir que há, infelizmente, neste momento, uma aplicação maléfica, de baixas intenções e com o claro objetivo de manter controle sobre pessoas e situações, de uma “razão instrumental umbandista”.
Quando um conhecimento religioso (teológico ou litúrgico) não é utilizado em prol do coletivo, então, ou ele está se utilizando descaradamente de razão instrumental, dominadora e controladora ou, minimamente, está caminhando a passos largos para isso.
Todo conhecimento deve ser libertador! E, para isso, ele deve conter em si instrumentos que permitam ao ser humano absorvê-lo em seu íntimo e promover, em si próprio, mudanças factíveis e perfeitamente sensíveis. Analogamente, deve funcionar como aquele remédio de efeitos claros e perceptíveis a quem o consome, que passa a sentir os efeitos da atuação em seu corpo ou em seus órgãos físicos.
A razão instrumental no âmbito umbandista buscará, inveteradamente, estabelecer o dogmatismo como forma de direcionamento – um direcionamento negativo, é certo, pois, direcionará quem aos seus caprichos ceder para o calabouço do conhecimento.
É um processo muito sutil e vem disfarçado de conhecimento salutar e libertador. Mas, como identificar? Olhe para as questões que se apresentam. Veja se elas trazem novos questionamentos. Entenda que o verdadeiro conhecimento se produz e se autorreproduz o tempo inteiro. Respostas por demais [ou enfaticamente] definitivas e certeiras, trazem o dogmatismo e todas as amarras que o mesmo, de modo vicioso, nos impõe.
Desconfie das “verdades absolutas”. E lembre-se, sempre, que a liberdade de escolha [ou livre-arbítrio] lhe foi concedida por Deus, portanto, quem mais possui outorga para retirá-la de você?
Busque acessar conhecimentos questionadores, que o façam, inclusive questionar a si próprio. E lembre-se que a informação é, tão somente, um primeiro passo para a aquisição do conhecimento, pois, já sabemos, conhecimento de fato se dá quando adentra o nosso íntimo e nos modifica [ou inicia uma modificação em nós].
A profusão de conhecimentos difusos e, até mesmo, a tentativa de aparelhamento da nossa religião, com o advento da internet, vem crescendo na “velocidade da luz”. E isso é algo muito preocupante! Será que essa tempestade de informações em redes sociais, grupos de aplicativos e similares nos levam, de fato, a um conhecimento salutar? Ou seriam ferramentas fundamentais, na contemporaneidade, da razão instrumental aplicada ao nosso ambiente umbandista?
Com relação ao aparelhamento, por mim citado no parágrafo anterior, deter-me-ei a uma crítica específica no próximo texto, que publicaremos em poucos dias.
Se, segundo Horkheimer, no âmbito científico a razão instrumental busca tornar-se um instrumento de dominação através de uma “ideologia cientificista’, aqui, no nosso ambiente religioso, ela [a razão instrumental] busca tornar-se um instrumento de dominação por meio de uma “ideologia dogmatista”.
Apenas quero deixar, aqui, esta reflexão para você, umbandista. Fuja da dominação da razão instrumental no nosso ambiente religioso, questione, cutuque, provoque, pense. Seja dialético! E, também, não corra para o lado daqueles que, por interesses similares aos dos instrumentalizadores da razão, mas que optaram por um caminho diferenciado [pelo fato de abominarem o conhecimento, em qualquer aspecto, radicalmente], aproveitam-se desta utilização negativa para criticar e combater o processo de conhecimento umbandista.
É uma briga de egos, uma guerra interminável por um ilusório poder.
Busque o conhecimento utilizando-se da razão crítica. Ela é anuladora natural da razão instrumental. Afinal, o verdadeiro conhecimento é fundamental para o crescimento e evolução de qualquer pessoa.
Aproveitando o ensejo: caso tenha interesse em conhecer um pouco mais sobre a Escola de Frankfurt, busque a obra “Filosofia E Música: Entre a Escola de Frankfurt, o Rock e a MPB” (André Cozta – 2023 – Metanoia).
Sobre o que aqui leu… reflita, reflita e reflita.
Um saravá fraterno!
André Cozta
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONCEITO DE. https://conceito.de/razao-instrumental – Consulta em 27 set.2023
WIKIPEDIA. https://pt.wikipedia.org/wiki/Raz%C3%A3o_instrumental – Consulta em 27 set.2023
TODA MATÉRIA https://www.todamateria.com.br/max-horkheimer/#:~:text=A%20Raz%C3%A3o%20Instrumental%20seria%20tudo,que%20se%20assenta%20o%20cientificismo.- Consulta em 27 set.2023
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. 1947 – Fonte: http://antivalor.vilabol.uol.com.br
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O texto me fez pensar em algo que nunca havia passado pela minha cabeça, no contexto umbandista. É sempre bom dar de encontro a coisas novas que nos fazem pensar “fora da caixinha”. Com essa nova perspectiva das coisas, posso ir além, questionar e aprender um pouco mais sobre eu mesma. Gratidão!
Olá, Ana Margarida!
Este é o objetivo do nosso trabalho, trazer reflexão para o nosso ambiente religioso. Filosofar, inclusive aqui, é fundamental. Que bom que você captou a essência! Um abraço fraterno!
COMENTÁRIO AO TEXTO QUE CRITITICA A ANÁLISE DE CONCEITO RAZÃO INSTRUMENTAL E RAZÃO CRÍTICA
A Razão Científica veio para contrapor-se ao poder exercido pelos senhores da fé. A igreja fundamentada no teocentrismo exercia total domínio na sociedade feudal e ainda o exercia também naquela sociedade moderna.
A razão veio se opor aos excessos liderados pela Igreja dos Bispos, acerbipos e Abades.
Todo conhecimento veio para nos libertar das amarras da ignorância, e como centelhas divinas trazemos em nós, fragmentos de inteligencias diversificadas que se colocadas em prática desafia o poder exercido pelo EGO.
Mas esse mesmo poder que veio “Libertar-nos” das amarras Teocentricas, está sendo utiizado com o mesmo fim a que veio combater. É a História, refletindo ela mesma em outra face do mesmo objeto que gosto de traduzir como um prisma.
Nossa realidade hoje tanto na Umbanda como em diversos outros setores da sociedade, religiosa e laica, reflete o passado. A luta pelo “Poder”que quando não conquistado em riquezas, tenta-se em conhecimento.
Representada em muitas vertentes para exercer o domínio sobre os outros. Esquecendo o fundamento central da espiritualidade que é auxiliar no processo de evolução do ser ser humano em sua experiencia no Planeta Terra. O exercício contínuo da fraternidade.
A Umbanda tem como objetivo central de auxiliar no processo de construção pessoal e espiritual de cada ser humano, mas de fato, como citado no texto, os dogmas estão desviando o propósito real da fé, ao meu ver.
Exercer o hábito de pensar e filosofar é o que nos leva a questionar sistemas sutis impostos a nós sociedade como um todo. Utilizar -se da “Razão crítica” é uma forma de libertar-se da “Razão instrumental” como exposto em seu texto.
Gratidão Mestre por sua contribuição ao aprendizado, o Universo Agradece e eu também.
Agradecemos pela contribuição, Ana Cláudia!
Fazendo a nossa parte, trazendo o questionamento reflexivo para o ambiente religioso, com certeza, teremos progressos. Um abraço fraterno!