Compreender a Filosofia (o que é, por que assim é, como é etc.) é uma tarefa bem simples, complicada somente pela visão equivocada de muitas pessoas, em muitos aspectos da vida cotidiana. Digo isso porque, diferentemente do que muito se apregoa por aí, que a filosofia é uma área do conhecimento complicada e complicadora das ideias, feita para uma meia dúzia de “letrados” e que em nada condiz com a vida prática, sabemos que essa disciplina é a que nos proporciona pensarmos melhor acerca da vida como um todo, bem como de todos os aspectos da vida vistos e pensados individualmente.
Assim sendo, rebatemos a falácia afirmando que a filosofia é (pode e deve ser) útil e aplicada (pois é, de fato, perfeitamente aplicável) no dia a dia, no cotidiano de todas as pessoas comuns, nas mais diversas situações.
Há um certo ranço, em muitos setores acadêmicos, em reconhecer a extensão dessa matéria além dos seus muros. Portanto, se há dentro do próprio meio filosófico (nas escolas de filosofia) uma resistência à sua aplicação prática e à sua expansão no dia a dia da sociedade vigente, o que podemos esperar para além dos muros dessas escolas? Nada muito diferente do que conseguimos perceber atualmente, não é mesmo?
Estudando os mais diversos nichos do pensamento filosófico oficial (ou seja, aquilo que é ensinado nos cursos superiores de filosofia e adjacentes) percebemos, graças à nossa experiência, vivência e estudos dentro do contexto umbandista, muitas similitudes, em vários aspectos, entre várias formas de pensamento filosófico e o pensamento (que também denominamos como filosófico) umbandista, especialmente, aquele advindo de um pensador que consideramos o maior dentro da nossa nascente história religiosa: Rubens Saraceni.
Ainda que ele não seja considerado oficialmente um filósofo, pode e deve ser considerado um pensador da Umbanda. Basta olharmos, ainda que de forma panorâmica ou de forma propedêutica, para a sua vasta literatura. Ora, eu, André Cozta, sou sacerdote umbandista formado em uma linha religiosa e iniciática aberta por ele (Rubens Saraceni), sou graduado como bacharel em filosofia e pós-graduado como aconselhador filosófico. Portanto, ainda que muitos torçam o nariz para tal afirmação, eu insisto em dizer: esse autor, sacerdote e pensador nos trouxe uma teologia que tem como base todo um fundamento filosófico. E, por trás dele, espíritos graduados que carregam em suas almas e na sua longa existência a filosofia como base, como solo para o desenvolvimento do pensamento, mas também – e principalmente – do pensar umbandista.
Então podemos até dizer que a Umbanda é uma filosofia de vida, correto? É bem comum nos utilizarmos deste termo com algumas finalidades que, infelizmente, não contemplam em seu bojo aquela que analisa o que é a filosofia e o pensar filosófico. Afinal, como nos afirmam Deleuze e Guattari, o simples ato de pensar não constitui um pensar filosófico. Essa afirmação, aliás, se multiplica entre muitas pensadoras e muitos pensadores no meio da Filosofia. Assim sendo, cabe explicar o que nos faz pensar que a teologia trazida por Rubens Saraceni pode ser considerada, ao menos, uma forte base para uma filosofia umbandista. Há quem apregoe que religião tem fundamentação teológica e pensamento filosófico é uma outra coisa, não é mesmo? (Ou, ao menos, assim muitas pessoas pensam.) Veremos isso logo adiante.
Vemos o lado filosófico umbandista – ele existe e se mostra de forma muito clara – tão forte e consistente quanto qualquer outra forma de se pensar filosoficamente. Deixarei aqui duas linhas filosóficas como exemplo: Estoicismo e Existencialismo são duas formas de filosofia, duas escolas filosóficas, duas formas filosóficas de se pensar a vida, o mundo, os seres humanos. Pois eu afirmo: a Umbanda é também uma forma de filosofia, uma escola filosófica (e evolutiva), uma forma de se pensar Deus, as Divindades, o Sagrado, a Vida, o(s) mundo(s), o ser humano e todos os seres advindos da mesma Origem (Deus/Deusa).
Se me arguirem, a fim de que eu responda a qual escola filosófica eu pertenço, sem titubear responderei: à escola filosófica umbandista que, como qualquer outra, não nasce apartada de toda e qualquer forma de pensamento filosófico. Todas as escolas filosóficas que conhecemos, sem exceção, possuem uma outra, ao menos, da qual bebem e têm como base para a sua formação e desenvolvimento inicial. Ninguém nasce do nada ou do acaso. É preciso ser concebido e gerado por um pai e uma mãe, ainda que, no decorrer da caminhada, o ser forme a sua própria personalidade. Assim é a vida, em tudo.
Saiba você, que até aqui chegou: mesmo com todas as dificuldades que possam vir a ser criadas com o intuito de barrar ou até mesmo de implodir esse nosso pensamento, encontramos dentro da própria filosofia – oficial – um conceito de Gramsci (1986, p. 245) que corrobora, confirma e nos auxilia na cristalização dessa convicção:
“É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a Filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente, que todos os homens são ‘filósofos’, definindo os limites e as características dessa ‘filosofia espontânea’, peculiar a ‘todo mundo’, isto é, da Filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados, e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ser e de agir que se manifestam naquilo que se conhece geralmente por ‘folclore'”.
A partir dessa conceituação, quando o autor nos afirma que há filosofia presente na religião popular e em todo o sistema de crenças, questionamos: então, por que não podemos considerar a Umbanda como uma filosofia ou como uma escola filosófica?
Àqueles que nos questionarem afirmando ser absurdo aquilo que pensamos e ensinamos, pois a religião possui teologia e a filosofia é uma outra coisa, rebatemos, ao final de toda essa farta e consistente afirmação, com o seguinte questionamento: os padres da patrística e da escolástica são considerados também filósofos e são estudados na filosofia oficial. Eles são teólogos ou filósofos? Ou isso só é aceito porque se trata da religião dominante politicamente (ou uma das predominantes)?
Um dos aspectos da resposta pode estar no fato de a Umbanda ser uma religião feita para todos e todas, mas, a partir do simples, por pessoas simples e de forma simples, afinal a simplicidade vem de Deus.
Umbanda é filosofia!
Um saravá fraterno!
André Cozta
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GRAMSCI, Antonio. Cuaderno 11 (XVIII) 1932-1933: Introducción al estudio de la filosofía. In: ______. Cuadernos de la cárcel. Tomo 4, Cuadernos 9 (XIV) 1932; 10 (XXXIII) 1932-1935; 11 (XVIII) 1932-1933; 12 (XXIX) 1932. Trad.: Ana María Palos. Ciudad de México: Ediciones Era, 1986.
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