“Sentada em seu toco, aquela preta velha, tranquilamente pitava seu cachimbo, bebericava um pouco daquele café amargo colocado ao lado do seu pé direito, estalava os dedos por sobre a vela branca acesa, colocada ao lado do seu pé esquerdo. Após cumprir aquela simples ritualística, ela olhou para a sua cambona e falou:
– Minha fia, nega véia tá aqui pra modo de servir e aconseiá os fios. O que tem pra hoje?
Imediatamente, aquela moça alcançou-lhe uma foto, e falou:
– Vovó, este é o meu irmão. Sabe, ele tem passado por tantas desgraças na vida, vovó, que eu nem sei por onde começar.
– O causo aqui não é de começá e sim de terminá, fia. Terminá com todas essas encrencas que ele tá trazendo pra vida dele mesmo. Traz ele um dia aqui, traz guiné, traz manjericão, traz arruda, mas traz também uma vela preta e branca e palha da costa e uma imagem igualzinha aquela ali. Pode sê pequenininha, a imagem.
Ela apontou para uma imagem do Senhor Omulu.
– Ah, sim senhora, vovó, muito obrigada!
– Agora, fia, me passa quem tá aqui pra sê atendido.
A cambona encaminhou um casal (ambos com idade já avançada). Ela, sorridente, ele, taciturno e cabisbaixo.
– Do que os fio tá precisando?- perguntou aquela Preta Velha.
– Vovó, meu marido… ele está passando por uma série de problemas de ordem emocional. Só que ele é muito descrente! Há muito queria trazê-lo aqui, mas ele sempre resistia.
O homem começou a rir baixinho. A Preta Velha olhou para ele e falou:
– Então o sinhô acha que isso aqui tudo é ‘feiticinho’, magia baixa, fetichismo, folclore e ilusão, né fio?
Ele levantou a cabeça, olhou para a Preta Velha de olhos arregalados. Ela continuou falando:
-O sinhô não leva a mal o que essa nega véia burra vai falá, mas é que o sinhô passou uma vida inteira se achando superior aos semelhantes e que sabia mais do que tudo, principalmente aonde trabaiava, né?
Ele engoliu em seco e se manteve olhando firme para ela, que, imediatamente, olhou para a mulher e disse:
– A senhora dê nele um banho de humildade, que é o que esse sinhô tá precisando.”
Este pequeno relato demonstra situações corriqueiras nos trabalhos de Umbanda. Seja em um caso de necessidade de uma purificação por intermédio de elementos para correção consciencial ou abrindo os olhos dos consulentes pelo verbo, transmitindo seu conhecimento.
Pretas Velhas e Pretos Velhos são detentores de uma sabedoria ancestral e, a partir dos seus arquétipos humildes, banhados em muita simplicidade, nos mostram o tempo todo o quão devemos caminhar nesta trilha para que possamos galgar de forma proveitosa os degraus da nossa evolução.
Em muitas situações, as senhoras pretas velhas, Vovós Marias Congas, Catarinas, entre tantas outras, nos trazem a fé na vida, por meio da sua simplicidade peculiar, mostrando-nos tudo o que aprenderam em suas caminhadas, nos dissabores da discriminação e do preconceito na nossa sociedade.
“Em um século a Umbanda já fez mais silenciosamente pela integração racial, social, cultural e religiosa brasileira do que a maioria dos ativistas nessa área” (Rubens Saraceni/Os Arquétipos da Umbanda- Madras Editora)