Em sua obra A sociedade aberta e seus inimigos (1945), Karl Popper [um filósofo da ciência], aponta três paradoxos:
- O paradoxo da liberdade – em que, segundo o autor “a liberdade, no sentido da ausência de qualquer controle restritivo, deve levar à maior restrição, pois torna os violentos livres para escravizarem os fracos”.. Nesse sentido, ele defende que qualquer espécie de liberdade será claramente impossível se não for assegurada pelo Estado […] e inversamente só um Estado controlado por cidadãos livres pode oferecer alguma segurança razoável”.
- O paradoxo da democracia – “Qual medida a ser tomada quando a maioria leva ao poder, por meio de um sufrágio legítimo, um partido como o fascista ou o comunista, que não creem em instituições livres e quase sempre as destroem ao alcançarem o poder?” Popper entende que a democracia pode sucumbir se, num processo democrático, for eleito um governante tirano.
O terceiro paradoxo, sobre o qual nos debruçaremos neste texto, é o da tolerância, pois temos vivido, enquanto umbandistas, historicamente com a intolerância e o preconceito para com nossas práticas litúrgico-religiosas e, ainda hoje, tenta-se criar dificuldades para que possamos manifestar a nossa fé.
Vejamos o que Popper no diz, em sua obra:
“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. — Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente. Mas devemos-nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força; pode ser que eles não estejam preparados para nos encontrar nos níveis dos argumentos racionais, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los a responder aos argumentos com punhos ou pistolas. Devemos-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos exigir que qualquer movimento que pregue a intolerância fique à margem da lei e que qualquer incitação à intolerância e perseguição seja considerada criminosa, da mesma forma que no caso de incitação ao homicídio, sequestro de crianças ou revivescência do tráfico de escravos”. [2]
Popper argumenta que a tolerância em demasia para com ideias preconceituosas e excluidoras pode custar muito caro ao tolerante, Na verdade, passam do limite tolerável e tornam-se criminosas.
Hoje, analisando a nossa situação enquanto religiosos, no Brasil, percebemos que temos recursos e leis que nos protegem, mas, infelizmente, a intolerância ainda existe. A criação de uma legislação que nos ampara, nesse sentido, é um fato importantíssimo para nós, pois freia uma série de ações que poderiam nos causar problemas sérios e trágicos, até mesmo. Porém, infelizmente, as leis não modificam os costumes advindos das ideias apregoadas e afirmadas por séculos e mais séculos de preconceitos.
A Umbanda é uma vítima pública de racismo religioso. Se você é afrodescendente ou possui uma ascendência nativa brasileira e for praticante da nossa religião ou de qualquer outra religião natural aqui estabelecida, terá, além dos diversos preconceitos que enfrenta no dia a dia, mais esse para contabilizar na sua rotina já difícil. Se você é um umbandista branco, bem aceito na sociedade, não passará pelo que passam negros e índios, mas, na sua manifestação religiosa, sofrerá uma série de “bloqueios” ou, ao menos, verá algumas portas se fechando no decorrer da vida para você. Então, ou assume essa condição religiosa ou se esconde.
Entendemos que a segunda opção é problemática, pois acaba-se criando uma espécie de preconceito interno ou autopreconceito, quando o umbandista se homizia, esconde-se da sociedade enquanto ente religioso. Trocando em miúdos: envergonha-se da sua religiosidade e a omite em seus círculos sociais (ou em parte deles, ao menos).
Quando isso acontece, há um natural enfraquecimento no nosso crescimento e evolução enquanto religião organizada e sistematizada. E isso precisa ser pensado e refletido de forma séria e profundamente por você, umbandista!
Somos responsáveis pela confirmação e pela perpetuação da nossa religião neste mundo em que por ora vivemos. Ela é uma Vontade Divina e a prevalência dela, a sua permanência por aqui, depende de nós. Ou seja, após a minha partida desse mundo, ela precisa ficar aqui e eu preciso ter contribuído com um tijolinho nessa construção.
Voltando ao texto de Popper, vemos que o autor estimula ações que podem soar aos ouvidos de alguns como exortação à violência, mas não é esse o objetivo do texto.
Quando ele nos estimula a usarmos da força contra a intolerância, devemos trazer tal pensamento para nós, no tempo e no espaço, fazendo com que aterrisse na nossa realidade. Se assim fizermos, perceberemos que a tal força está no amparo legal que possuímos, com a bênção Divina e dos Orixás, hoje em dia.
E, se nós temos essa força ao nosso lado e à nossa disposição, não devemos titubear em utilizá-la quando necessário. Não vamos nos envergonhar, nunca, de sermos umbandistas! Assumamos a nossa condição religiosa e dela nos orgulhemos, pois, os outros religiosos não se escondem atrás de nomenclaturas terceirizadas ou de omissões, declaram-se católicos, espíritas, budistas, evangélicos etc.
E nós, somos UMBANDISTAS! E não vamos tolerar o preconceito.
Para encerrar, precisamos seriamente refletir acerca de um problema pulsante no que se refere à intolerância intrarreligiosa. Se estamos falando em um paradoxo da tolerância, entendamos tal paradoxo também quando há intolerância ou preconceito de qualquer tipo se manifestando dentro do ambiente umbandista. E isso, infelizmente, é bem comum e pouco se fala abertamente.
A forma com que irmãos de outros terreiros ritualizam, o modo de viver de um irmão ou irmã também adepto(a) da religião, suas escolhas, decisões, seus sentimentos, suas vontades, desejos, seu jeito de ser, suas ideias nas mais diversas áreas, quando divergem da nossa visão de mundo e de vida, devem ser respeitadas. Exatamente porque o paradoxo, nesse caso, se encontra quando, no mesmo ambiente religioso, o respeito a tudo isso e muito mais é praticado pelos guias espirituais.
E eles, os guias espirituais, são nossos exemplos e nossas luzes condutoras. Ou ao menos deveriam ser, para tudo na vida… tudo mesmo!
Um saravá fraterno!
André Cozta
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WIKIPEDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_da_liberdade Consulta em 07abril 2025
WIKIPEDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_da_democracia Consulta em 07abril 2025
WIKIPEDIA https://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_da_democracia Consulta em 07abril 2025
POPPER, Karl, The Open Society and Its Enemies, volume 1, The Spell of Plato, 1945 (Routledge, United Kingdom); ISBN 0-415-29063-5 978-0-691-15813-6 (1 volume 2013 Princeton ed.
POPPER, Karl Raimund (1957). A sociedade aberta e seus inimigos (PDF) 56 ed. Rua Santa Clara, SP: Ititaia, Universidade de São Paulo e Bisordi. pp. 289–290. ISBN 9781400846672
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