Filosofia: A ALMA NA METAFÍSICA DE RUBENS SARACENI

Nesta série sobre a Alma, analisamos alguns autores importantes na tradição filosófica: Platão e Aristóteles. E buscamos compreender e interpretar, encontrando semelhanças e dessemelhanças com o nosso pensamento umbandista acerca desse tema. Com este quarto texto, baseando-nos nos escritos de Rubens Saraceni na obra “As Sete Linhas de Evolução e Ascensão do Espírito Humano”, encerraremos este trabalho.

No Fédon de Platão, vimos que Sócrates vê a alma encarcerada ao corpo e busca incessantemente a libertação da ilusória realidade material rumo à conquista da sua plenitude; Aristóteles vê a alma como princípio da vida, ato primeiro de um corpo organizado e coloca-a como responsável pelas afecções (alterações) na vida dos seres vivos, reiterando que só são possíveis por conta da animação realizada pela Alma.

Destacamos ainda, no texto seguinte, a investigação do filósofo grego, em sua obra “Da Alma (De Anima)”, acerca dos movimentos da alma, diretos ou indiretos, ou seja, aqueles em que a alma é movida por acidente (quando o movimento não é provocado por ela) e aqueles movimentos que ela provoca.

Estas análises pormenorizadas se encontram nos três textos anteriores que compõem nossa série filosófica sobre a Alma. Talvez seja interessante lê-los (ou relê-los) antes de se adentrar na nossa análise que finaliza esta sequência analítica.

Em suas mais de 50 obras publicadas, entre livros de magia ou dedicados à teologia umbandista, Rubens Saraceni nos presenteou com alguns primorosos trabalhos que compuseram a sua Metafísica. Dentre estes, e para uma análise acerca da Alma, destacamos “As Sete Linhas de Evolução e Ascensão do Espirito Humano” (2015 – Madras).

Neste livro simples, porém de uma profundidade filosófica enorme, o autor nos ensina um pouco acerca das sete linhas que movem a Evolução e a Ascensão humana. Elas são: 1ª linha – O Humanismo; 2ª linha – A Fé; 3ª linha – O Conhecimento; 4ª linha – O Amor; 5ª linha – A Lei; 6ª linha – A Forma; 7ª linha – A vida.

Alertamos para o seguinte aspecto: não devemos confundir estas linhas de evolução e ascensão com as sete linhas (ou sete sentidos) da Vida. Estas referem-se às irradiações divinas emitidas a partir do Alto por Deus e Suas Divindades Maiores abarcando toda a Criação. As sete linhas de evolução e ascensão do espírito humano estão colocadas para o desenvolvimento e progresso espiritual da nossa espécie.

Mas o que diferencia evolução de ascensão? A evolução ocorre em linha reta durante a nossa caminhada espiritual (no astral e na matéria). A ascensão é consciencial e vai galgando degraus para o alto conforme nossos mentais vão se elevando, portanto, ocorre de baixo para cima numa linha vertical. O ideal é ascendermos e evoluirmos concomitantemente numa linha oblíqua (diagonal) para o Alto e para a frente.

Vejamos o que nos diz o autor, introdutoriamente, acerca dessas sete linhas de evolução e ascensão (P. 7): “ No humanismo nossa espécie se realiza. Na fé, comungamos com os princípios mais elevados que nos regem. No amor, irmanamo-nos como seres racionais e de uma mesma espécie. No conhecimento, acumulamos o aprendizado contínuo que cria o progresso permanente e aperfeiçoador do nosso estado de consciência e percepção. Na lei, aprendemos a respeitar todos os limites, indispensáveis à boa convivência. Na forma, tudo se individualiza e adquire características próprias, indispensáveis ao nosso modo de avaliar as coisas. Na vida, vivenciando cada minuto de nossa existência, sentimo-nos parte de algo grandioso, que denominamos Deus!”.

A partir desses conceitos introduzidos, a cada capítulo da obra, aprofunda-se em cada uma dessas linhas. Vejamos uma breve síntese:

1ª linha – O Humanismo: “O humanismo, como nós o entendemos, aceita princípios universais, indiscutíveis, que não correm o risco de serem envolvidos por coisas misteriosas”. (P. 17)

“Do Uno sai a diversidade do meio, e dessa diversidade sai o fim único, que é a vivência pura das coisas divinas. Deus não quer uma alma humana de volta ao seu centro criador, mas sim que cada alma se torne, por si só, um centro emanador das qualidades divinas do seu Divino Criador. É fundamental que compreendamos isso para que possamos entender o que é humanismo e como age, em função do saber e da razão, um humanista. O humanismo não comporta a dor como via de ascensão, nem a submissão como meio de doutrinação. Ele aceita como princípios sólidos apenas a compreensão da verdade universal e sua posterior aplicação aos mais variados estágios de desenvolvimento mental, racional, espiritual, material e da humanidade. Ele não generaliza o parcial e não parcializa o geral. Dá a cada um segundo sua compreensão e capacidade de absorver a verdade corretamente para fazer uso posterior do que lhe chega ao mental. O humanismo deve propagar somente as verdades universais, pois, caso contrário, ver-se-á envolto no mesmo emaranhado em que se lançaram as religiões”. (P. 19)

“Os grandes períodos de evolução espiritual da humanidade foram desencadeados por sábios humanistas. Muitos foram os homens santos, mas os maiores foram aqueles que pertenciam à linha humanista e que a tinham plenamente desenvolvida. Buda foi um humanista, Hermes também o foi. Cristo Jesus foi o maior dos humanistas. Os grandes filósofos gregos foram humanistas incomparáveis, e muitos filósofos modernos quase se igualaram a eles. Se não conseguiram, foi porque a religiosidade reinante não permitia que dessem livre vazão aos seus pensamentos, sendo tolhidos com ameaças e críticas nada veladas. Humanismo é Filosofia, e Filosofia é sinônimo de conhecimento […] O humanismo é a primeira das linhas evolutivas do ente humano, porque traz Deus e suas benditas qualidades até o homem, para que este possa viver em Deus no seu dia a dia e não tenha que esperar uma vida toda, carregada de resignações, abstinências e renúncias, para alcançá-Lo um dia, após a morte da carne”. (P. 28-29)

2ª linha – A Fé: “Sem fé, o ser humano é inodoro e incolor. Inodoro, pois lhe falta o perfume exalado pela vida; e incolor, pois lhe falta a luz que a fé propicia. Entendamos por fé não apenas a confiança de que somos regidos e guiados por Deus, mas como algo de que precisamos para levarmos a bom termo qualquer empreitada em nossas vidas terrenas. Quantos não se lançam em uma aventura e logo desistem porque lhes faltou a fé de que a levariam a bom termo? Quantos não se lançam em um materialismo desenfreado porque lhes falta fé nas palavras recebidas desde o berço e que dizem para conterem os desejos, os prazeres e as ambições, o egoísmo e o ódio, a inveja e a soberba, pois nessas coisas não está Deus, e muito menos a luz da vida? Então, temos na fé a força motriz que nos conduz até Deus e que mantém viva a esperança de que, se hoje os obstáculos nos parecem intransponíveis, nós os superaremos e levaremos a bom termo qualquer ação luminosa. A fé é a verdadeira força, ou energia viva, que nos anima, revigorando nosso ser imortal combalido nas lutas imemoriais travadas nas muitas vidas já vividas. É ela que dá força para lutarmos por algo e ânimo para não desistirmos no meio do emaranhado de contratempos que se nos apresentam a cada instante […] A fé é energia latente que lança a humanidade à frente, como um todo, pois há também a fé coletiva, que é a união de muitos seres humanos vibrando no mesmo sentido e com os mesmos objetivos. A fé é tão importante quanto as outras seis linhas evolutivas. Sem ela ninguém se humaniza e passa a olhar os semelhantes como irmãos e filhos do mesmo pai, que é Deus”. (P. 32-33)

3ª linha – O Conhecimento: “O conhecimento, enquanto linha evolutiva, quer dizer que o espírito humano, em sua origem, é inconsciente sobre o que é certo e o que é errado, já que ele traz presente no seu mental tanto o positivo quanto o negativo. Traz um lado luminoso e um outro escuro. Enfim, ele ainda não sabe distinguir entre amor e desejo, bondade e exibicionismo, orgulho e sabedoria, etc […] Como nenhum espírito encarnado foi o primeiro, e jamais será o último, quando ele inicia sua evolução no nosso planeta já encontra outro que lhe é anterior e superior e que o conduz para uma evolução rápida e sólida nas virtudes e no abrandamento contínuo dos instintos […] Assim, o conhecimento é mais uma alavanca de evolução e ascensão espiritual e material. Evolução sem responsabilidade não é possível […] Somente a bondade não pode fazer toda uma tarefa divina ser levada a bom termo. A fé em Deus tão somente não nos habilita para tarefas de grande responsabilidade, pois Deus não dá nada mais a alguém do que já não se tenha feito por merecer, ou se esteja capacitado a executar e, ainda assim, com o risco de falhar na execução. Sendo assim, o conhecimento é a base de uma sólida evolução e de uma estável ascensão”. (P. 41-42)

4ª linha – O Amor: “Este é o mais sublime dos sentimentos de que somos dotados desde nossa origem. Enquanto as outras linhas evolutivas nos conduzem ao nosso fim, o amor permite que encontremos meios de melhor chegarmos a ele. O Sábio dos sábios sabe que, sem o amor, dificilmente o homem encontraria suas redenções emocional, racional e humanística. Por isso, o amor é um sentimento transcendente e espalha-se por todo o Universo. É o amor que une toda a criação divina. O amor é a liga que mantém o todo criado uno e indivisível, tal como a gravidade mantém a harmonia e o equilíbrio do Universo. Ele, do mesmo modo que um átomo, constrói os núcleos familiares e mantém a união dos grupos humanos em sólida harmonia. É o amor emanado por Deus que nos renova a todo instante e impede que nos tornemos vazios em nobres emoções. Como sentimento, o amor iguala-se à fé: se nela prezamos os homens por amor a Deus, nele amamos Deus por termos fé nos homens. Nessa linha evolutiva está o princípio das famílias, das ligações espirituais e da harmonia evolucionista da humanidade […] O amor, enquanto linha evolutiva e ascensional, torna o ser humano emotivo, maleável e, acima de tudo, sensível […] O amor é, antes de tudo, arte. A arte é sinônimo de amor, pois o amor é criativo. Sim, o amor é criação por princípio, meio e fim […] Um ser que ama cria, e quem cria ama sua criação”. (P. 55-56)

5ª linha – A Lei: “A lei relaciona-se diretamente com o carma, mas este é apenas uma das atribuições da lei, embora muitos tenham envolvido a lei em coisas misteriosas, jogando a culpa no carma. O carma é relativo e se refere somente às coisas ligadas às formas, enquanto a lei envolve tudo no Universo […] Existe uma lei que regula o corpo físico do homem. Ela se estende, em parte ao corpo espiritual, mas só em parte, porque o espírito também tem suas leis que interferem no corpo carnal […] Deus, como princípio de tudo, coloca-nos no meio para que sejamos forjados no calor das muitas encarnações. Mas não faz isso sem uma boa finalidade. Não. Ao emanarmos d’Ele, parecemos recém nascidos. Isso se deve ao fato de que, em Deus, como princípio criador, não existem alterações ou diferenças macro ou microcósmicas. A lei, ou princípio, que regula a criação de uma constelação também se aplica na criação do menor dos planetas que compõem esta constelação, assim como dos seres que o habitam […] Uma lei, ou princípio, é imutável, pois toda criação divina tem como regulamentador o princípio de eternidade […]” (P. 67-69)

6ª linha – A Forma: “Forma é igual a tipo, jeito, maneira, aparência, feição, característica, composição, descrição, comparação; adição, divisão, subtração, multiplicação; materialismo, espiritualismo; ateísmo, religiosidade; certo, errado; bondade, maldade; luz, trevas; positivo, negativo; sagrado, profano; divino, diabólico etc. Tudo é forma de nominarmos as coisas que se nos apresentam. O oposto da forma é a imaginação. Assim, forma é positivo e imaginação é negativo. Ou seja, se usamos o principio dual para descrevermos a maneira como Deus atua sobre Sua criação, dizemos que positivo é a energia (espírito) e negativo é a matéria (corpo). Assim temos que o espírito é eterno e imortal, enquanto o corpo é perecível e finito”. (P. 90)

7ª linha – A Vida: “Vida é sinônimo de espiritualidade e espiritualização. A carne é perecível, portanto é somente um meio; o espírito é eterno, portanto imortal. Então vida é sinônimo de imortalidade. Pois aí está a confusão reinante no meio. Confundem algo finito (corpo físico) com algo imortal (espírito humano) […] O humanismo enobrece, a fé fortalece, o amor sublima, o conhecimento expande, a forma amolda e a lei conduz o espírito humano à vida como sétima linha de evolução e ascensão. Na vida, o conhecimento é sabedoria. Na vida, o humanismo é fraternidade. Na vida, a fé é redenção. Na vida, o amor é doação. Na vida, a lei é amparo. Na vida, a forma é um meio de vida. Assim é a vida.

Ela, enquanto linha evolucionista, é a vivência em espírito dos sete dons originais a todo momento de nossa existência. Vida é sinônimo de luz, e na luz está o nosso fim, porque somente ela contém vida”. (P. 107-109)

Toda a exposição por nós aqui descrita nos isenta em realizar qualquer comentário acerca desta primorosa obra deste grande mestre, pois os trechos aqui descritos falam por si.

Platão, Aristóteles e Rubens Saraceni, de algum modo, complementam-se nas suas análises acerca da Alma humana. Por isso, sugerimos que você, caso tenha interesse, estude acurada e profundamente as três obras aqui analisadas.

Na filosofia umbandista temos na Alma o motor que movimenta os seres humanos (em espírito ou na matéria) como partícipes fundamentais para o desenvolvimento individual e coletivo em nosso planeta. Por isso, entendemos ser o estudo aprofundado dela (a alma), enquanto essência, primordial para a busca da plenitude no autoconhecimento e na expansão da Vida de forma mais ampla ao nosso redor.

Expandir a Vida é levar aonde e a quem nos for permitido o conhecimento das coisas divinas de modo leve e prazeroso, pois, aquele que não consegue atingir prazer e leveza em Deus, certamente está banhado em ilusão.

André Cozta

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Da Alma – De Anima. Tradução de Edson Bini. 1.ed. São Paulo: Edipro, 2018.

PLATÃO. Fédon (Ou Da Alma). Tradução de Edson Bini. 1.ed. 1ª reimpressão São Paulo: Edipro, 2016.

SARACENI, Rubens. As Sete Linhas de Evolução e Ascensão do Espírito Humano: os fios invisíveis que conduzem o ser humano ao encontro de sua origem, meio e fim. São Paulo: Madras, 2015.

4 comentários em “Filosofia: A ALMA NA METAFÍSICA DE RUBENS SARACENI”

  1. Boa noite,

    Gostaria de deixar aqui, os meus parabéns ao trabalho colocado a disposição de tantos irmãos , estou simplesmente fascinado com a abordagem dada , com a releitura se posso chamar assim, da obra do Grande Mestre , Rubens Saraceni! Eu já li todas as obras dele, e sinceramente sempre observei estão questão . Noto que a obra que o mestre deixou é sim , extensa mas de mesma proporção profunda , e buscava um entendimento mais reflexivo e filosófico da obra, pela minha paixão por filosofia, bem , sem mais , somente grato por notar que existem pessoas que não só compreenderam mas esmiuçaram esta grande obra. Gratidão!

  2. Boa noite,

    Gostaria de deixar aqui, os meus parabéns ao trabalho colocado a disposição de tantos irmãos , estou simplesmente fascinado com a abordagem dada , com a releitura se posso chamar assim, da obra do Grande Mestre , Rubens Saraceni! Eu já li todas as obras dele, e sinceramente sempre observei estão questão . Noto que a obra que o mestre deixou é sim , extensa mas de mesma proporção profunda , e buscava um entendimento mais reflexivo e filosófico da obra, pela minha paixão por filosofia, bem , sem mais , somente grato por notar que existem pessoas que nãos so compreenderam mas esmiuçaram esta grande obra. Gratidão!

    1. Grato, irmão!
      Vemos muita filosofia na obra do Mestre Rubens Saraceni.
      Aqueles que realmente mergulharem nos ensinamentos, retornarão à superfície modificados.
      Um abraço fraterno!

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