Conatus no latim significa esforço; impulso, inclinação, tendência; cometimento. É um conceito utilizado na Filosofia para se referir a uma inclinação inata de uma coisa para continuar a existir e se aprimorar. Tal coisa pode ser a mente, a matéria, seres vivos das mais variadas espécies, bem como, o próprio ser humano.
Alguns filósofos debruçaram-se sobre este termo, desenvolvendo conceitos próprios. Podemos citar alguns da antiguidade e do medievo, mas também pensadores da modernidade como Descartes, Hobbes, Leibniz e Spinoza.
Vamos nos debruçar na definição spinoziana deste conceito, fazendo, logo a seguir, uma analogia com a abordagem desse aspecto na teologia umbandista e como ele se apresenta no estudo da nossa religião.
Na filosofia de Spinoza (1623-1677) conatus é um tema central. Segundo este pensador, cada coisa, à medida que existe em si, esforça-se para perseverar em seu ser. Na sua obra [Ética], ele apresenta algumas razões que nos demonstram isso.
Define as coisas particulares como modos de Deus, o que significa dizer que cada um expressa o poder divino de forma particular. Além disso, nunca poderia ser parte da definição de Deus que seus modos contradigam um ao outro; cada coisa opõe-se a tudo que possa tirar sua existência. Tal resistência à destruição é formulada e definida pelo filósofo como o conceito de conatus, ou seja, um esforço para continuar a existir.
Vejamos algumas proposições da Ética [ 3ª Parte – A origem e a natureza dos afetos], em que o autor “esmiuça” o conceito de conatus para o nosso melhor entendimento.
[…] Proposição 5. À medida que uma coisa pode destruir uma outra, elas são de natureza contrária, isto é, elas não podem estar no mesmo sujeito.
Demonstração. Com efeito, se elas estivessem de acordo entre si, ou seja, se pudessem estar simultaneamente no mesmo sujeito, então poderia haver no mesmo sujeito algo que poderá destruí-lo, o que […] é absurdo […] (SPINOZA; 2019, P. 104)
[…] Proposição 6. Cada coisa esforça-se, tanto quanto está em si, por perseverar em seu ser.
Demonstração. Com efeito, as coisas singulares são modos pelos quais os atributos de Deus exprimem-se de uma maneira definida e determinada […], isto é […], são coisas que exprimem de uma maneira definida e determinada a potência de Deus, por meio da qual ele existe e age. E nenhuma coisa tem em si algo por meio do qual possa ser destruída, ou seja, que retire a sua existência […], pelo contrário, ela se opõe a tudo que possa retirar a sua existência […] E esforça-se, assim, tanto quanto pode e está em si, por perseverar em seu ser, como queríamos demonstrar.
Proposição 7. O esforço pelo qual cada coisa se esforça por perseverar em seu ser nada mais é do que a sua essência atual.
Demonstração. Da essência dada de uma coisa qualquer seguem-se necessariamente certas consequências […] Além disso, as coisas não podem fazer senão aquilo que necessariamente se segue de sua natureza determinada […] Por isso, a potência de uma coisa qualquer, ou seja, o esforço pelo qual, quer sozinha, quer em conjunto com outras, ela age ou se esforça por agir, isto é […], a potência ou o esforço pelo qual ela se esforça por perseverar em seu ser, nada mais é do que sua essência dada ou atual, como queríamos demonstrar […]
Proposição 8. O esforço pelo qual cada coisa se esforça por perseverar em seu ser não envolve nenhum tempo finito, mas um tempo indefinido.
Demonstração. Com efeito, se envolvesse um tempo limitado, que determinasse a duração da coisa, seguir-se-ia, então, exclusivamente da própria potência pela qual a coisa existe, que, após esse tempo limitado, ela não poderia mais existir, devendo se destruir. Mas isso […] é absurdo. Portanto, o esforço pelo qual uma coisa existe não envolve, de maneira alguma, um tempo definido, mas, pelo contrário, ela continuará, em virtude da mesma potência pela qual ela existe agora, a existir indefinidamente, desde que […] não seja destruída por nenhuma causa exterior. Logo, esse esforço envolve um tempo indefinido, como queríamos demonstrar […] (SPINOZA; 2019, P. 105)
Na proposição 9, Spinoza ainda afirma que, a mente, quer enquanto tem ideias claras e distintas, quer enquanto tem tem ideias confusas, esforça-se para perseverar em seu ser por uma duração indefinida, e está consciente do seu esforço (Spinoza; 2019, P. 105).
A partir dessas proposições apresentadas na ética spinoziana, podemos refletir acerca do conceito de conatus. Como ele tem se aplicado na nossa vida cotidiana? Temos, de fato, perseverado pelo nosso próprio ser? Ora [alguém responderá], obviamente que sim, afinal, todos perseveramos pela preservação do nosso próprio ser, pela vida.
Agora, vejamos em que momento podemos encontrar o conceito de conatus na teologia umbandista, na obra de Rubens Saraceni (1951-2015), ainda que não apareça como uma definição deste termo.
Encontramos na obra Gênese Divina de Umbanda Sagrada, deste autor citado (Madras), no Livro 2 – Gênese de Umbanda Sagrada, tópico Sexto plano da vida: plano natural ou estágio de desenvolvimento da consciência plena, o seguinte excerto [Nota nossa: O sexto plano da vida comporta o nosso estágio evolutivo atual, reencarnacionista]:
[…] Observem que o ser, no sexto plano da vida, tem consciência de si e do meio onde vive e evolui e tenta influir na sua própria evolução, porque não é movido pelos instintos e sim pela razão.
Naturalmente, ele vai buscando o que sente que é bom para si, mas também vai acumulando experiências sem se deixar paralisar pelas que foram ruins ou desagradáveis. Então, lentamente o ser vai amadurecendo e seu instinto de sobrevivência vai dando lugar a uma natureza preservacionista da vida e do meio onde vive e evolui.
Essa natureza preservacionista da vida não se limita só a um aspecto, pois ela é abrangente e exterioriza-se por meio dos sete sentidos da Vida.
Com isso acontecendo em seu íntimo, ele vai sentindo-se parte do todo e desenvolvendo faculdades que o direcionam em um rumo onde, pouco a pouco, vai sublimando seus relacionamentos e seu emocional vai transmutando-se, tornando-se unicamente um identificador natural do que preserva a vida e do que a anula.
Essa transmutação do emocional é fundamental para a consciência, pois enquanto ela não acontecer o ser está sujeito a quedas vibratórias, choques emocionais, desequilíbrios mentais e ao instintivismo, porque sua consciência não terá a estabilidade necessária para que possa trabalhar racionalmente suas dificuldades ou as de seus semelhantes.
Nós temos exemplos clássicos de pessoas tidas como exemplos pelos seus pares que, de repente, fraquejaram diante de certas dificuldades e suicidaram-se. Outras dementam-se e outras cometem atos inimagináveis […] (SARACENI; 2008, P. 200)
Vemos na argumentação de Spinoza, na determinação da proposição 6, que as coisas singulares [modos de se mostrarem os atributos de Deus] não possuem em si algo por meio do qual possam ser destruídas, que retirem sua existência, ao contrário, opõem-se a tudo que possa retirar a sua existência. E esforçam-se por perseverar em seu ser.
Mas Saraceni, que nos apresenta uma definição “siamesa” à spinoziana, dizendo-nos que “Essa natureza preservacionista da vida não se limita só a um aspecto, pois ela é abrangente e exterioriza-se por meio dos sete sentidos da Vida”, afinal, na sua evolução, no estágio atual, tem consciência de si e do meio onde vive e evolui, tentando influir na sua própria evolução, porque não é movido pelos instintos e sim pela razão, logo mais à frente, apresenta uma problemática comum [infelizmente], referindo-se ao suicídio.
Ele afirma que, não havendo uma transmutação do emocional, que é fundamental para a consciência, o ser está sujeito a quedas vibratórias, choques emocionais, desequilíbrios mentais e instintivismo, por falta de estabilidade consciencial, podendo chegar a atos extremos, como o suicídio, entre outras consequências.
É certo que Saraceni está referindo-se exclusivamente à evolução humana, enquanto espíritos encarnados; já Spinoza refere-se aos modos [modificações da Substância, que é Deus] como coisas singulares que expressam os atributos divinos.
Ora, então ele [Spinoza] se refere à vida natural de forma abrangente. As árvores, as plantas, os animais etc., além, obviamente, do ser humano (olhando somente para o que conhecemos no mundo material, mas, poderíamos incluir todas as manifestações divinas que não vemos ou conhecemos e evoluem nas dimensões planetárias paralelas sutis), são modos de Deus. Todos esses modos lutam e perseveram pela preservação do seu ser, pela preservação da vida. Essa é uma questão ontológica, afinal.
Ainda que Rubens Saraceni tenha optado por focar na explanação acerca da evolução humana (em espírito e na matéria, concomitantemente), ele e nós sabemos que há um mecanismo de autopreservação que habita o ser de qualquer ente vivo – de qualquer espécie ou forma de vida animada -, seja na matéria ou em espírito. Este mecanismo [ou conatus spinoziano] nos impulsiona nesse aspecto e no rumo evolutivo o tempo inteiro.
Mas, e o suicídio abordado por Saraceni?
Bem, de fato ele é uma realidade, infelizmente! E, ao menos em comparação às espécies vivas componentes da natureza que conhecemos e alcançamos, não vemos em nenhuma outra tal dose de niilismo, de autoanulação contrária ao conatus preservacionista e impulsionador da evolução.
Árvores ou plantas não se matam, animais das mais variadas espécies não se matam, peixes não se matam. Somente o ser humano comete tal ato ignorante.
Então, Spinoza erra ou não alcança isso, ou não considera, quando afirma que os modos [o ser humano é um modo de Deus] não possuem em si algo que possa retirar sua existência?… Vamos trabalhar a nossa resposta.
Spinoza foi um filósofo imanentista, ou, trocando em miúdos, viu Deus e seus atributos na natureza visível ao nosso redor. Estudando-o e pesquisando sobre sua vida, vemos que ele desconsiderava completamente a existência espiritual como concebemos na Umbanda e no espiritualismo em geral.
Rubens Saraceni, focando na evolução humana, esmiuçou, a seu modo, o conatus (ainda que não tenha se utilizado do termo) e pôs à mesa uma questão delicada e sensível que nos é comum na vida material.
Precisamos considerar que o espírito humano passa por um longo processo reencarnacionista, com oscilações vibracionais, conscienciais e espirituais que fazem parte do processo de formação do conjunto da sua alma. Assim considerando, entendemos que frustrações, depressões e outros afetos negativos [utilizando um conceito spinoziano] podem levar o ser humano na matéria a absorver uma dose cavalar de niilismo que o conduza a uma atitude radical, atentando contra a própria vida.
Então, Spinoza está equivocado? Definitivamente não! Sabe porquê? Vejamos a seguir.
Ainda que este filósofo não considerasse a vida espiritual como real, a seu modo, ele acreditava na eternidade dos modos. Talvez como pequenas substância eternas. Porém, trazendo a sua afirmação para o nosso entendimento, cabe lembrar que, mesmo que a pessoa que se suicida pense que está acabando com algo, ou com tudo, haverá uma continuidade, em outra realidade, seja qual for.
Por isso, a afirmação de Spinoza é correta, pois não há nada que possa retirar a nossa existência, que é eterna, somente, no máximo, encerrar antecipadamente a nossa estada por aqui. Também é correto o que Saraceni nos coloca, trazendo o conatus para a evolução do espírito humano, pois, sem ele, não haveria processo evolutivo, viveríamos apáticos e estagnados, e a evolução perderia o sentido.
Talvez possamos nos debruçar, em texto futuro, acerca do conceito de afetos em Spinoza, relacionando-o ao seu entendimento na Umbanda.
E você, irmã ou irmão umbandista, tem fortalecido, tem perseverado na sua existência? Utilize-se do seu conatus positivamente e, se precisar de auxílio, recorra a Deus, aos Orixás ou aos guias espirituais, seja você médium ou adepto.
Lute, persevere, estimule-se (se necessário, com o auxílio de nossa Mãe Pombagira), pela preservação, manutenção e evolução do seu ser, pois somos, antes de mais nada, consciências desdobradas em almas e, somente o progresso e a evolução consciencial nos manterão completamente alienados de qualquer processo ilusório. Reflita acerca disso!
Um saravá fraterno!
André Cozta
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SARACENI, Rubens; 2008. Gênese Divina de Umbanda Sagrada: O Livro dos Mistérios de Deus – A Ciência Divina Revelada. São Paulo. Madras.
SPINOZA; 2019. Ética. Belo Horizonte / São Paulo. Autêntica. Trad. Tomaz Tadeu.
WIKIPEDIA. Conatus. https://pt.wikipedia.org/wiki/Conatus#:~:text=Conatus%20(latim%20para%20esfor%C3%A7o%3B%20impulso,ou%20uma%20combina%C3%A7%C3%A3o%20de%20ambos. Consulta em 11 abril.2024
Link da imagem – https://www.facebook.com/conatusphilosophy/