Catarse neste início de século

Dentre as preciosidades da sua filosofia, destacamos neste texto, a fim de introduzirmos nosso pensamento, a definição de Aristóteles acerca do termo catarse (do grego, kátharsis = purificação). Este conceito se apresenta na sua obra “Arte Poética” e significa “purificação das almas”. Segundo o autor e pensador grego, ela ocorria a partir de uma descarga de sentimentos e emoções provocada por obras teatrais (dramas ou tragédias). Em contato com a cena em si, o público captava as emoções, liberando-se das suas.

A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Para Platão, a obra de arte é uma imitação do que se apresenta de forma imperfeita neste nosso mundo e que, por sua vez, é uma imitação (ou cópia) também imperfeita daquilo que é original e perfeito no mundo das ideias

Opondo-se ao seu mestre, Aristóteles vê a mimese (do grego, mímesis = imitação, representação) de forma positiva,  Segundo Lemos (2009): “Em oposição ao seu mestre Platão, Aristóteles vê a imitação (mímesis) de modo positivo. Para ele, trata-se de um processo que é compartilhado tanto pela natureza, como pela arte; é dessa forma que interpretamos a famosa afirmação de que ‘a arte imita a natureza’.”

Tais definições nos mostram dimensões diferentes entre os pensamentos desses grandes filósofos acerca de um mesmo tema. Mas o nosso objetivo neste texto é, a partir do conceito aristotélico de catarse, analisá-lo e compreendê-lo no atual momento em que vivemos, neste início de século XXI.

A purgação de emoções e sentimentos vem acompanhando a humanidade ao longo da história. Podemos observar a catarse em muitos campos da vida, como na medicina, na psicologia, na literatura, nas artes e no esporte. Nesses dois últimos citados, aliás, talvez ela se apresente de forma mais clara. Num embate esportivo, vemos claramente (como, por exemplo, numa partida de futebol) a catarse ocorrendo não somente entre os atletas, mas também entre admiradores daquele esporte (ou torcedores). Na relação com as obras artísticas, se observarmos, a perceberemos acontecendo em nós mesmos. Prestemos atenção nessa purgação de emoções na nossa relação com uma música, com um filme, uma telenovela ou, até mesmo na literatura, com um determinado livro.

Isso não significa dizer que a catarse é algo ruim, pois, pelo simples fato de purgar sentimentos e emoções, promove uma descarga necessária e que nos equilibra. Então, podemos ver nisso (em se tratando de artes, literatura ou esportes) um dos pontos positivos das manifestações culturais na nossa vida pessoal e em sociedade. Trocando em miúdos: a catarse funciona, em nosso dia a dia, além de equilibradora, como um fator catalisador.

No processo religioso, a catarse pode ser observada como purificação da alma. Para analisá-la aplicada a este campo da vida humana, utilizarei como exemplo a única religião que conheço, de fato: a Umbanda.

Durante um ritual umbandista, a partir da defumação, do canto dos pontos para Orixás e guias espirituais, da incorporação dos médiuns, entre outros aspectos, ocorre, o tempo todo, purificação do ambiente, bem como, de todos que ali se encontram, sejam espíritos encarnados ou desencarnados. Portanto, há uma catarse religiosa – ou uma catarse umbandista – acontecendo. De fato, é algo muito bom… e os irmãos e as irmãs umbandistas não me deixam “mentir”!

Porém, ainda que compreendamos o aspecto positivo da catarse umbandista, enquanto purificação, precisamos também entender como isso pode se dar no dia a dia, afinal, não ritualizamos 7 dias por semana, 30 por mês, tampouco, 365 por ano. E é neste momento que volto a bater na tecla em que venho insistindo desde a nossa obra “Umbanda: Uma Escola Evolutiva” (Madras, 2017), que consiste em afirmar a necessidade de carregarmos a religião em nós mesmos(as), ou seja, tudo o que recebo da religião deve habitar meu íntimo, indo embora comigo assim que o ritual  se encerra e retorno ao meu lar. Caso isso não aconteça, há algo errado na minha conexão com o processo de religação promovido pela religião. E tal responsabilidade é minha, não da Umbanda (neste caso, a religião aqui colocada)!

Por isso, em momentos como o que vivemos atualmente, em meio a uma pandemia que assola a humanidade, onde as incertezas e, por consequência natural, ansiedade e angústia acometem a muitos(as) de nós, precisamos buscar o equilíbrio emocional e racional na avaliação de funções e prioridades em todos os campos da vida.

Como a religião pode se manifestar neste momento, em mim? Se retornarmos dois parágrafos, nesse texto, veremos uma afirmação de que a religião só estará atuando de fato quando eu carregá-la ativada e abastecida no meu templo íntimo. Se não me é possível frequentar um  ritual de forma plena neste momento, como posso manter acesa minha conexão com Deus e Suas Manifestações (Orixás e guias espirituais)?

Em verdade, essa forma por nós apregoada é ideal sempre, pois, independente do momento que vivemos (e como já descrevermos anteriormente), não ritualizamos o tempo todo, afinal, a manifestação religiosa é um meio para auxiliar nossa evolução. Finalidade, sabemos, está no processo evolutivo e o fim de tudo e de todos(as) é o aprimoramento da Vida na religação e reencontro com Deus, que ocorre intimamente, no espírito – não “in loco” -.

E tal religação ou reencontro com Deus só pode se dar dentro do templo religioso, em rituais? Caso respondamos afirmativamente a este questionamento, estaremos caminhando a passos largos no rumo do fanatismo religioso, o que é bem preocupante!

Se na minha relação com a Umbanda consigo trazê-la para o meu íntimo, num momento de exceção, como o que vivemos, poderei tê-la me auxiliando no processo de constante religação onde eu estiver ou, melhor dizendo, na minha casa.

Pois manterei firmadas minhas conexões com anjo guardião, Orixás e guias espirituais. Quem é umbandista praticante sabe à que me refiro. Concluindo: podemos e devemos, nós, umbandistas, permanecer em conexão com nossos guias e Orixás. E que tenhamos tranquilidade, discernimento e bom senso para ouvirmos nossas intuições, bem como, poderes e forças divinas que nos amparam, acerca da nossa responsabilidade enquanto indivíduos ativos socialmente, com tudo o que acontece neste nosso mundo.

Que Deus nos ilumine, Pai Oxalá nos abençoe e todos os Divinos Orixás nos protejam, sempre com o amparo dos nossos amados guias espirituais!

Um saravá fraterno!

 

André Cozta

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

DIANA, Daniela. O que é catarse. Toda Matériahttps://www.todamateria.com.br/o-que-e-catarse/ – Consulta em 16/02/2021

 

LEMOS, Carlos de Almeida. A imitação em Aristóteles. Anais de Filosofia Clássica. Revista de Pós Graduação em Filosofia da UFRJ; 2009 – Rio de Janeiro – RJ

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